terça-feira, 16 de setembro de 2014

Uma nova estrada para o turismo de natureza

PUBLICADO . EM ECOTURISMO
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Um lobo atravessa a Estrada Turística, de Cáceres, no Mato Grosso (Foto: Douglas Trent/Projeto Bichos do Pantanal)
Por Jussara Utsch*
Existe um paraíso escondido no interior do país com potencial para tornar-se uma segunda Transpantaneira - a rodovia MT-060. A nova rota é conhecida como Estrada Turística e fica próxima da fronteira entre o Brasil e a Bolívia, em Cáceres, no Mato Grosso. O desafio dessa região é similar ao de muitas área naturais do Brasil: implementar o turismo de natureza para gerar desenvolvimento sócio econômico e o empoderamento das comunidades locais. Seria possível trilhar esse sonho em uma região tão distante dos grandes centros urbanos?
O Brasil tem em seu território alguns dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade do mundo. O Pantanal, com seus 250 mil quilômetros quadrados de extensão, é um desses exemplos. Segundo o Fórum Econômico Mundial, o Brasil é o líder em um ranking de 140 países em belezas naturais.
Apesar do seu imenso potencial, falar de turismo de natureza (ainda) é um grande desafio. Basta lembrar que quase 90% dos turistas que visitam os Parques Nacionais vão apenas para dois destinos: Foz do Iguaçu, no Paraná, e o Parque da Tijuca, onde está o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. “Uma pesquisa do governo dos EUA revelou que em 2010 mais de 82 milhões de americanos viajaram para ver aves, porém nem 1% dessas pessoas vieram para o Brasil. Eles preferiram ir para Costa Rica, Peru, Austrália, ou para países da África”, afirma Douglas Trent, pesquisador-chefe do Projeto Bichos do Pantanal, e um dos pioneiros do turismo de natureza na Transpantaneira, no Mato Grosso.
A própria definição do que é o turismo de natureza gera confusões. Muitos acreditam que o termo seja sinônimo de ecoturismo, mas a atividade é bem mais ampla. Existe o ecoturismo, o turismo de aventura, o turismo educacional ao ar livre e uma profusão de outras experiências a céu aberto.
O segmento de turismo de natureza é um dos que mais cresce, principalmente nos países que investiram nesse caminho, como a Austrália e a Nova Zelândia. Segundo a Organização Mundial do Turismo a expansão do turismo de natureza está entre 15% e 25% ao ano e supera o de negócios e o de sol e praia. Porém, se analisarmos a divulgação internacional feita pelo Brasil fica nítido que nosso marketing ainda está centrado no turismo de praia.
Para aproveitarmos as potencialidades não exploradas de regiões como o Pantanal de Cáceres há muito o que fazer. O primeiro passo é compreender onde investir primeiro. Hoje, não há infraestrutura suficiente, poucos guias e operadores de turismo falam inglês, os guias especializados em reconhecimento de fauna também são poucos, quase não existem pousadas que atendam aos padrões internacionais e a divulgação em publicações fora do país, em muitos casos, praticamente inexiste.
Apesar do cenário aparentemente negativo, cidades como Bonito, no Mato Grosso do Sul, e Mamirauá, no Amazonas, são provas concretas das vantagens e do crescimento sustentável que o turismo de natureza pode proporcionar. Seja para as cidades onde essa atividade se estabelece, seja para a população local.
Foi para tentar seguir esses exemplos positivos que a população de Cáceres reuniu-se para criar a Rede de Cooperação Bichos do Pantanal. A inciativa foi proposta pelo Projeto Bichos do Pantanal, e hoje congrega representantes de universidades, empresários do setor privado, representantes dos órgãos públicos, associação de ribeirinhos, artesãos e integrantes do terceiro setor. A escolha do turismo de natureza como principal atividade de atuação foi detectada já na primeira reunião, em fevereiro de 2014.
O grupo também conta com o apoio da Escola de Negócios da Universidade do Kansas, que vai propor diagnósticos e estratégias. A necessidade de divulgação da região foi uma das primeiras questões detectada por Melissa Birch, diretora da Escola de Negócios da Universidade do Kansas e por Chirsty Imel, especialista em ecoturismo, em uma recente visita da equipe a Cáceres. “O município não estava em um dos poucos guias sobre o Pantanal disponível no site de vendas Amazon. Já no guia Pantanal Wildlife, uma das principais referências internacionais sobre a região no Brasil, os poucos atrativos que aparecem sobre a cidade são as atividades ligadas ao turismo de pesca”, afirma Imel.
A questão da pesca esportiva é outro estigma para grande parte do Pantanal. A atividade foi fundamental para tornar essa região um importante destino turístico, atrair a construção dos primeiros hotéis e a consolidação de uma infraestrutura mínima. Porém, por questões ambientais, a pesca é proibida por quase quatro meses do ano, o que faz com que hotéis, barcos-hotéis, pousadas, guias turísticos e toda a cadeia da atividade perca visitantes, e renda, durante quase metade do ano.
Resumir as possibilidades desse importante ecossistema apenas para as atividades de pesca também é um imenso desperdício de potencial. No Pantanal de Cáceres, por exemplo, o turista pode fazer inúmeras atividades, como: o mergulho em profundidade na Dolina de Água Milagrosa, conhecer a estrada turística ainda quase inexplorada, fazer turismo rural nas fazendas, o turismo de contemplação em rios cercados por morrarias, visitar ninhais, visualizar animais únicos, como as onças-pintadas, e muitas outras atividades de ecoturismo, turismo de aventura, e claro, a pesca no rio Paraguai.
Para mudar o paradigma de o Pantanal ser apenas um local de pescaria, o primeiro desafio é a profissionalização. “Há muito a ser feito, desde repensarmos o design das pousadas até melhorar o treinamento efetivo de guias para observação da natureza, além de capacitá-los para falar fluentemente inglês”, diz Douglas Trent.
Um estímulo para esse salto de qualidade é o potencial de retorno do turismo de natureza. O Brasil recebeu, em 2013, 6 milhões de turistas estrangeiros e é o último no ranking dos emergentes. Entre os latino-americanos, o primeiro lugar ficou com o México, com 23,4 milhões de visitantes internacionais. Os números são apenas um alerta de o quanto o país perde e o quanto pode crescer em número de visitação. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMT), o turismo de natureza movimenta US$ 215 bilhões por ano. Uma pesquisa da consultoria francesa, TNS Sofres, concluiu que 69% dos turistas europeus estão dispostos a pagar até 30% a mais para contribuir com a preservação do local visitado.
De olho nesses números, um dos principais projetos da Rede de Cooperação Bichos do Pantanal é aproveitar o potencial do Pantanal de Cáceres para tornar a região um destino consolidado para o turismo de natureza. Uma das apostas do grupo é a Estrada Turística. O local tem potencial de visualização de animais superior ao da Transpantaneira (MT-060) e em apenas alguns minutos circulando pela estrada é possível ver lobinhos, tamanduás e cervos em meio a uma exuberante vegetação de cerrado alto. “Me lembra muito a Transpantaneira no início dos anos de 1980, há muito tempo não encontrava um local com tanta diversidade em espécies de aves”, diz Trent.
A riqueza de fauna e flora impressionam, porém a Estrada tem um outro diferencial importante: a chance de se desenvolver o turismo de natureza desde as primeiras ações. A ideia dos integrantes da Rede de Cooperação Bichos do Pantanal é justamente engajar os proprietários que possuem fazendas na região, o poder público, os empresários de turismo local e os centros de pesquisa para juntos criarem essas ações.
A aposta é que a região também consolide um novo modelo nacional para o turismo de natureza que possa ser compartilhado com vários outros paraísos escondidos do interior do Brasil.
*Jussara Utsch é diretora do Instituto Sustentar e coordenadora-geral do Projeto Bichos do Pantanal, patrocinado pela Petrobras. Especialista em sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, foi diretora de comunicação do Conselho Empresarial Bras. para Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), foi ponto focal do Comitê Bras. da Avaliação do Millennium Ecosystem Assessment, da ONU. Criou o programa de TV Brasil Sustentável na TV Cultura de São Paulo e na TV Educativa do Rio de Janeiro. É idealizadora e coordenadora do Sustentar (Fórum Internacional pelo Desenvolvimento Sustentável), um dos maiores fóruns brasileiros para a discussão do desenvolvimento sustentável.)
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Um tamanduá na beira da estrada (Foto: Douglas Trent/ Projeto Bichos do Pantanal)


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